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Meio Ambiente
“Ou mudamos ou morremos” - Entrevista com Leonardo Boff
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30/08/2006

A maneira tranqüila e bem-humorada de Leonardo Boff falar ameniza o teor crítico e alarmante de sua análise sobre a problemática ambiental. Para ele, chegamos a uma situação limite do processo civilizatório: ou mudamos ou morremos. Autor de mais de 60 livros nas áreas de Ecologia, Teologia, Espiritualidade, Filosofia, Antropologia e Mística, a maioria deles traduzida em vários idiomas, ele está em Foz do Iguaçu, participando do I Encontro de Educadores Ambientais da Bacia do Prata. O evento, que acontece entre 28 e 31 de agosto no Hotel Rafain Palace, é promovido por Itaipu Binacional, ministérios da Educação e do Meio Ambiente, e pela Coordenação de Educação Ambiental do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e reúne especialistas do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia. Em um intervalo entre as diversas palestras, Boff concedeu a seguinte entrevista:

 

Apesar de a questão ambiental estar em voga já há algum tempo, por que não se vê uma atuação mais incisiva dos principais governos mundiais, no sentido de mudar o rumo das coisas?

Leonardo Boff - Enquanto predominar o pensamento econômico, que mercantiliza a política, a cultura, as relações entre as pessoas e os bens naturais, a questão ambiental não terá solução adequada. A Natureza foi colocada em uma banca de negócios. A essência do capitalismo é explorar tudo que a Terra pode oferecer. Se o capitalista não o fizer, algum concorrente certamente o fará. Por isso não há limites. A lógica capitalista é essa. Hoje, 230 famílias do mundo detêm 80% do PIB global. Nunca houve uma concentração tão grande. Ao mesmo tempo, vemos uma aceleração da degradação ambiental, do conflito social, das guerras que o capital produz, a níveis nunca registrados.

 

Nos últimos anos, sob a ótica de atender a um crescente contingente de “consumidores verdes”, têm crescido a quantidade de empresas que buscam certificados de produção ambientalmente correta. Isso não é sinal de que é possível conciliar o capitalismo com a ecologia?

Isso é uma atitude louvável, mas é insuficiente. Se houver uma tensão entre o capital e o meio ambiente, certamente a corda arrebentará do lado da Natureza. Além disso, apesar dessas iniciativas, a base do sistema é de exploração desenfreada. Em médio e longo prazo, não há como sustentar essa situação. Há pelo menos dois sintomas claros dessa forma irresponsável de se produzir: o aquecimento global e a crescente carência de água potável. O aquecimento global não respeita países. Quando tivemos tufões em Santa Catarina, a origem do problema estava no Noroeste da Austrália, onde a temperatura subiu em média um grau e produziu uma movimentação de massas de ar que vieram impactar aqui. Estima-se que até 2010 a temperatura terá subido nessa mesma média em todo o planeta. Uma das conseqüências é o aumento da intensidade das tempestades e outros fenômenos climáticos. Outra é a morte de corais, que desempenham importante papel nos ecossistemas marinhos e também amenizam a força dos furacões no Caribe. No futuro, certamente, parte da costa da América do Norte será inabitável. Com relação à água potável, o nível freático (profundidade em que se encontra água sob o solo) passou de 10 metros para até 150 metros em algumas regiões da China e da Índia, onde há grandes populações em crescimento. Alguns rios da Índia já não chegam ao oceano, pois são totalmente desviados para consumo humano e irrigação. Hoje, 70% da água doce são empregados na agricultura. Como a produção fica muito cara, a estratégia deles é comprar alimentos de países como o Brasil. Para se ter uma idéia, para se produzir um quilo de grãos, são necessários 1.500 litros de água; para um quilo de café, sete mil litros e para um quilo de carne, de 15 a 20 mil litros. Isso faz do Brasil o maior exportador mundial de água virtual.

 

Quer dizer, é uma água que vem embutida no produto sem custo algum.

Sim. E um grande desafio político para o nosso país é buscar algum tipo de compensação por isso. Se não, teremos problemas no futuro, apesar de o Brasil ser considerado “a potência das águas”. 

No passado, em outros momentos de grande desenvolvimento da civilização, havia sinais de que esses estágios não se sustentariam e mesmo assim impérios inteiros ruíram, sem tomar nenhuma atitude. Agora, novamente, passamos por uma situação em que, apesar das conquistas da ciência e da tecnologia, estamos ameaçando o nosso futuro.

 

O senhor acredita que teremos competência para vencer esses desafios?

Quando analisamos a questão ambiental de uma perspectiva global, vemos que os cenários são dramáticos. Ou nós mudamos ou morreremos. Existem dois autores muito interessantes que tratam dessa problemática. O primeiro é Martin Rees, que aborda a Ressonância Schumann, que é a freqüência produzida pelo movimento da Terra, no livro “A Última Hora – A ciência moderna poderá destruir a humanidade”. Para se adaptar a toda essa agressão que está sofrendo, o planeta está mudando. Já são registradas alterações significativas no magnetismo terrestre. Está havendo um maior número de catástrofes naturais, vulcões que estavam adormecidos estão voltando à ativa. O outro autor é James Lovelock. Em seu livro “A Vingança de Gaya”, ele diz que a inteligência é um fenômeno do Universo, não está em nós. Com a interferência do homem, cerca de 3 mil espécies desaparecem da face do planeta todo ano. Quem sabe não chegou a nossa vez de desaparecer? Não seria melhor para o planeta que a humanidade fosse extinta? Então, quem sabe, a inteligência poderia encontrar outra forma de se expressar, uma forma mais equilibrada. Mas, ao mesmo tempo, é importante lembrar que o ser humano não aprende nada da história. Aprende, sim, com o sofrimento, que hoje atinge inúmeras populações no mundo. Quando estiver sentindo as conseqüências na pele, talvez o homem faça as correções necessárias.