Meio Ambiente
Nossa água, nossa vida
21/03/2007
A sobrevivência da humanidade depende de toda a nossa disposição para compreender de maneira sensível o modo como a natureza funciona (B. Fuller).
Hoje, 22 de março, é o “Dia Mundial da Água”, e vale lembrar que estamos no “Decênio Internacional para a Água e a Vida”, assim definido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o período 2005-2015. Percebe-se em tal proposição a premência dos desafios que a questão da água coloca para a humanidade. Este é um momento que convida todos a constatar a gravidade da situação e considerar os imperativos de mudança de comportamento para evitar a catástrofe planetária decorrente do colapso na disponibilização do precioso líquido, essencial a todas as formas de vida.
No século 20, o consumo da água multiplicou-se por seis – duas vezes a taxa do crescimento demográfico mundial. Hoje, 250 milhões de pessoas em 26 países sofrem escassez crônica de água, e prevê-se que em 2025 serão 3,5 bilhões de pessoas em 52 países nessa situação.
Pela própria natureza da Terra, a água doce, potável e de qualidade, encontra-se distribuída de forma bastante desigual, por isso, e à medida que a escassez avança, passa a ser uma questão de segurança e de defesa do Estado-Nação, devendo constar do planejamento estratégico de todos os países, em especial daqueles considerados “fontes hídricas”. Isso é crucial para o Brasil, pois detém 53% da água doce da América Latina e 12% do total mundial.
Há quem pense que o Brasil, por estar nessa condição privilegiada, devesse se preocupar e prevenir, acima de tudo, contra a cobiça internacional. Tal precaução deve existir, sem dúvida, mas, mais que isso, o Brasil precisa conservar, preservar, cuidar de sua imensa riqueza hídrica para que se mantenha abundante e com qualidade para a atual e as futuras gerações, bem como para, solidariamente, abastecer povos carentes de água.
Mas não é o que acontece, como revela este dado alarmante: 70% das bacias hidrográficas de oito estados brasileiros – do Rio Grande do Sul à Bahia – estão seriamente afetadas pela poluição, em alguns casos fora de controle. Tal comprometimento é decorrente de esgotos domésticos não tratados, dejetos de animais (originários da suinocultura, avicultura, piscicultura, bovinocultura de leite, etc.) inadequadamente destinados, agrotóxicos, poluição industrial, poluição acidental, poluição por mineração, lixo urbano e rural, produtos químicos em geral e falta de proteção dos mananciais superficiais e subterrâneos.
Do insustentável ao sustentável
Sem água não existe vida – e não é pouca a água de que qualquer ser vivo necessita. Cada pessoa consome – ou precisaria ter à disposição –, no mínimo, 50 litros de água por dia. E observe-se a quantidade de água necessária para a produção de alguns itens da alimentação humana e animal (considerando todas as fases da cadeia produtiva):
Produto Litros de água
Não há como escapar do fato de que as principais causas da degradação ambiental são os padrões inadequados e insustentáveis de produção e consumo. Importa, pois, promover uma inversão nesses processos, mediante a adoção de padrões sustentáveis, para que haja água e pão para esta e para as futuras e futuras gerações.
O que fazer, então? As respostas são óbvias e convocam cada pessoa, cada comunidade, governantes, a humanidade enfim, para atitudes como estas:
§ enfrentar com rigor o desperdício, como também as causas da contaminação, degradação e poluição da água; § proteger nascentes, rios e lagos; § compreender que a água é um bem público e coletivo, que tem de ser tratado como um direito humano fundamental, não como mercadoria e nem objeto de privatização; § tratar a água como bem finito, indispensável à vida; § fortalecer a participação da sociedade nos controles das políticas públicas sobre a questão da água; § desenvolver a prática de “consumidor sustentável”; § formar consciências esclarecidas, inclusive no sentido da solidariedade entre as pessoas e das pessoas com a natureza; § desenvolver o cultivo da água, para que se mantenha abundante e com qualidade; e § construir a cultura da “água para a paz”.
Não cabe mais a improvisação, não cabe mais pensar que “não é comigo” nem que a catástrofe não vai acontecer se continuar do jeito que está. Se não cuidarmos devidamente da água, ela vai faltar, e onde e quando isso acontecer, a vida se extinguirá.
A água nas suas devidas dimensões
Para que a questão “água” seja levada realmente a sério e na devida conta, é preciso considerá-la nas suas mais amplas e profundas dimensões, que lamentavelmente vêm se perdendo por força das inversões de valores determinadas pela visão materialista, economicista e utilitarista que move a civilização, especialmente a ocidental, que tudo coisifica.
Nem sempre foi assim, nem é assim em toda parte e com todos os humanos, felizmente. Então, onde as mais nobres dimensões da água se perderam é necessário resgatá-las, de modo que lhe seja devolvido o devido valor.
Além da dimensão biológica, ao longo da história humana a água tem tido valorações as mais diversas e ricas, das quais tem resultado uma atitude de respeito e cuidado para com ela.
No momento, pois, em que, devido ao desrespeito e descuido, a ameaça da falta de água paira sobre a humanidade e todos as formas de vida, é chegada a hora de resgatar as valorações da água em suas múltiplas dimensões.
Entre elas, ressalta a dimensão espiritual, religiosa, e mística, pela qual a água é vista como algo sagrado, uma bênção divina, canal de conexão entre o terreno e o celestial, como se evidencia na sua utilização nos mais diversos rituais litúrgicos das mais diversas religiões, haja vista sua utilização no sacramento do batismo, por exemplo. Da mesma forma, a água tem sido celebrada nas artes, na música, na poesia.
Enfim, são abundantes as razões para reverenciar a água, respeitá-la, cuidar dela e utilizá-la na forma e na medida adequada à necessidade de sua existência perene, com a qualidade e a quantidade que a Terra e os seres que dela vivem necessitam, hoje e sempre. Nelton Miguel Friedrich Diretor de Coordenação da Itaipu Binacional |